A terceira modernidade urbana e o setor terciário em Porto Alegre

Mariana Aita Dadda defendeu sua dissertação de mestrado em 28/05/2014 com o título “A Terceira Modernidade Urbana e o setor terciário: como Porto Alegre (RS/ Brasil) está se preparando para receber a Copa do Mundo de 2014”. Leia abaixo a síntese da pesquisa. 

189977_391110107630958_92039576_nPor Mariana Aita Dada – Observatório das Metrópoles-Núcleo Porto Alegre

A idéia da dissertação “A Terceira Modernidade Urbana e o setor terciário: como Porto Alegre (RS/ Brasil) está se preparando para receber a Copa do Mundo de 2014″ começou a ser construída enquanto fui bolsista do Observatório das Metrópoles, durante o ano de 2011. O interesse pela influência que o megaevento teria no setor terciário da cidade surgiu pela possibilidade deste ser o setor que possivelmente mais teria impactos positivos com a realização da Copa do Mundo. A dissertação foi apresentada em maio de 2014, um mês antes do começo da Copa do Mundo no Brasil. O trabalho buscou retratar, entre outros aspectos, se Porto Alegre reúne os equipamentos para ser considerada uma cidade inserida no conceito de Terceira Modernidade Urbana1, ou seja, preparada para sediar uma Copa do Mundo e junto com este, receber turistas de vários perfis. Entendendo que a evolução do setor terciário está estreitamente relacionada a evolução da vida urbana, a dissertação também objetivou verificar se o setor de serviços de Porto Alegre estaria também, preparado para receber um evento de grande magnitude

O primeiro grande item a ser ressaltado foi a euforia inicial após o anúncio, em 2009, de que Porto Alegre seria uma das sedes da Copa do Mundo de 2014. A partir de tal panorama, quanto mais o megaevento se tornava presente no cotidiano da cidade, algumas opiniões foram mudando e outras sendo geradas, sendo possível ter uma ideia geral das aspirações e interesses que cada setor/ campo da cidade manifestava frente a este momento. O setor de comércio, serviços e lazer, com toda gama de recursos que tem a seu favor atualmente, gerou muitas expectativas frente à oportunidade de ter por perto a realização de um evento de grande magnitude.

Para entender como o setor terciário chegou a este ponto de modernidade atualmente, é necessário se resgatar um pouco da história da evolução e modernização do setor terciário. Apesar de cada país ter tido singularidades na maneira de desenvolver seu setor terciário, é comum a todos que, a partir da década de 1970, a economia baseada na predominância do setor de serviços, despontou a nível mundial. Estas mudanças foram tão significativas na sociedade, que a partir desta década também, vários autores e estudiosos a ressaltaram como um novo período da dinâmica urbana, com significativas transformações da sociedade. A partir de então, o setor terciário expande sua complexidade e importância na economia mundial.

Como o setor terciário é diverso e abrangente, foi importante delimitar itens pertinentes ao tema do trabalho, pois nem todas as prestações de serviços se adequavam aos objetivos da pesquisa. Assim, escolheu-se 5 das 21 categorias da Classificação Nacional das Atividades Econômicas (CNAE – Secretaria da Receita Federal e IBGE), instrumento de padronização nacional dos códigos de atividade econômica e dos critérios de enquadramento utilizados pelos diversos órgãos de administração tributária do país. Definiu-se como as mais pertinentes para contemplar os objetivos, as seções G (Comércio), I (Alojamento e alimentação), N (Atividades administrativas e serviços complementares), Q (Saúde humana e serviços sociais) e seção R (Artes, cultura, esporte e recreação). Pode-se perceber que a prioridade de escolha foi relativa a prestações de serviços relacionados com ao megaevento (hotéis, restaurantes, venda de bebidas, etc.).

Em relação a Porto Alegre, área deste estudo, mesmo sendo uma cidade relativamente pequena em tamanho, sabe-se que as modificações do seu espaço urbano acontecem de forma constante, mas não de forma homogênea. Logo, Porto Alegre embora bem equipada em seu espaço urbano em geral, tem localidades que não se encaixam adequadamente no conceito de Terceira Modernidade Urbana que pretendeu-se abordar. A realização do megaevento esportivo também não traria influências para todas as partes da cidade. Por isso, tê-la inteiramente como objeto de estudo seria fugir do tema proposto.

Para focar este trabalho nas áreas da cidade que realmente seriam pertinentes para o que se queria demonstrar, se utilizou como base o mapa das Áreas Prioritárias de Planejamento Urbano em Porto Alegre, desenvolvido pela Secretaria Municipal de Gestão e Acompanhamento Estratégicos, mostrado na figura 1, abaixo:.

Figura 1: Áreas Prioritárias de Planejamento Urbano em Porto Alegre

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Adaptado de: DIEESE (Corredores da Copa).

Porto Alegre, mesmo não estando entre as cidades mais conhecidas do Brasil internacionalmente, conquistou certa projeção ao realizar seis das doze edições do Fórum Social Mundial (2001, 2002, 2003, 2005, 2010 e 2012). O reconhecimento que a capital gaúcha ganhou com os Fóruns foi positiva, sendo considerada uma cidade bem estruturada e com moradores receptivos e politizados. Mas conforme a fala de alguns entrevistados pela dissertação, mesmo que o Fórum sempre seja referência aos turistas2 Porto Alegre ainda não estaria acostumada a receber turistas estrangeiros como outras partes do Brasil.

Mesmo que Porto Alegre não possa ser considerada uma cidade global, reúne várias características que a posicionam como bem inserida na Terceira Modernidade Urbana. Exemplos disto, são tero 3° aeroporto com maior quantidade de voos internacionais do país, só perdendo para Congonhas (em São Paulo) e Galeão (no Rio de Janeiro), sera2ª cidade que mais aumentou seu número de desembarques internacionais no país (perdendo apenas para o Rio de Janeiro) e ainda estar entre as 5 capitais brasileiras que mais recebem eventos internacionais no Brasil. Apesar disso, uma das principais reclamações, tanto dos entrevistados para o trabalho escolhidos por estarem envolvidos com o setor terciário da cidade, quanto de usuários dos serviços, é a pouca fluência em inglês dos prestadores de serviços e comerciantes de Porto Alegre. Isto prejudica a cidade enquanto sede de grandes eventos (foi uma das maiores reclamações dos participantes do World Masters Athletics, em outubro de 2013) e afasta a cidade de ser uma referência global.

A respeito da atenção especial que se deu neste trabalho a chamada Área Prioritária de Investimentos para a Copa, delimitada pela Secretaria Municipal de Gestão e Acompanhamento Estratégicos, observou-se que esta área da cidade não ganhou visibilidade apenas pela realização do megaevento: historicamente esta região recebe mais investimentos e atenção de órgãos públicos e privados do que outras. Como pode-se observar ao longo do trabalho, todos os requisitos que afirmam a capital gaúcha como uma cidade inserida na Terceira Modernidade Urbana, localizam-se no trecho delimitado (como diversidade de oferecimento de serviços, de hospedagem, de opções de lazer; localização de importantes empresas, localização de hospitais, órgãos públicos e disponibilidade de transporte).

Para chegar aos seus objetivos, a dissertação também realizou entrevistas com profissionais de todas as categorias escolhidas da tabela CNAE. Foram ao todo 42 entrevistados, das 5 categorias eleitas. Em relação aos entrevistados relacionados ao setor de hotelaria, 83,3% considerava seus estabelecimentos preparados para receber um megaevento como a Copa do Mundo. 58% esperava um aumento significativo no número normal de hóspedes desta época do ano. 66% dos estabelecimentos fizeram reformas pensando no megaevento, mas 66% dos entrevistados também, não julgavam Porto Alegre como preparada para sediar uma Copa do Mundo. 83% dos entrevistados também admite aumento de preços na época de realização do evento.

Em relação aos entrevistados dos ramos de lazer, gastronomia e entretenimento, 100%considerava que a Copa do Mundo/2014 seria importante para o setor de lazer e entretenimento de Porto Alegre. 100% também, esperava um aumento de clientes em seu estabelecimento no período. 62% considerava seu estabelecimento preparado para receber turistas estrangeiros. 54% revelou ter feito investimentos em seu estabelecimento motivados pela Copa do Mundo. 66% foi o número de entrevistados que acreditava que Porto Alegre estaria preparada para sediar um evento desta magnitude e que possivelmente aumentariam seus preços no período da realização da mesma.

Alguns pontos foram considerados motivos de preocupação tanto para os entrevistados, quanto para a mídia que acompanhou os preparativos para a realização da Copa do Mundo em Porto Alegre: as manifestações ocorridas durante o ano de 2013 (várias coincidiram com a realização da Copa das Confederações no país) e a promessa nas redes sociais de que as mesmas continuariam ocorrendo em 2014, chamaram atenção da população em geral e também da imprensa internacional. Temendo que houvesse atos de violência e depredações durante tais manifestações, patrocinadores, comerciantes e turistas viram a época da realização dos jogos como um período de tensão. Tais demonstrações populares refletiram que a sociedade está cada vez mais crítica e informada, consequência direta do acesso cada vez mais facilitado às tecnologias, principalmente televisão, internet, aparelhos de telefonia móvel e instrumentos de captação de imagem e som. Estas, além de possibilitar uma quantidade infinita de informação, tem enorme capacidade de mobilização.

Outro ponto ressaltado pelos entrevistados foi a quantidade de obras estruturais que estavam sendo executadas na cidade e que não ficaram prontas até a realização da Copa do Mundo. Além dos transtornos no trânsito, alguns entrevistados acharam que um número grande de obras inacabadas poderiam causar má impressão. Já outros entrevistados acharam que tais obras iriam melhorar a mobilidade na cidade à longo prazo e isto seria mais relevante do que o fato de elas estarem ou não prontas até o megaevento. Os entrevistados também ressaltaram a alta nos preços de serviços prestados que alguns proprietários de estabelecimentos pretendiam praticar: alguns acharam ser uma atitude correta, afinal o mercado é livre e o cliente não é obrigado a pagar, podendo procurar outras opções. Outros consideram a prática abusiva e que pode denegrir a cidade, criando uma imagem de “oportunista”.

Como análise da expectativa quanto ser sede de um evento esportivo de tamanha magnitude, a maioria dos entrevistados acreditava ser uma grande vitrine. Por ter apenas jogos do início da competição e com seleções sem muita expressividade atualmente, acha-se que, a maioria dos turistas que viriam seriam nacionais e de países próximos, como Argentina e Uruguai.

Baseado nos dizeres da maior parte dos entrevistados, independente da categoria CNAE e até fora dela, os mesmos acharam que a realização da Copa do Mundo em Porto Alegre não geraria grandes lucros no período da realização do evento, embora a maioria pretendesse aumentar o valor de seus serviços: por mais que houvesse uma movimentação fora do comum na cidade, não seria tão significativa a ponto de gerar ganhos recordes. A maioria dos entrevistados achava que o megaevento geraria receitas à longo prazo, pois nenhuma campanha de Secretarias ou Ministério do Turismo seria tão eficiente quanto a exposição em documentários, matérias jornalísticas e até mesmo reportagens pré-jogo, despertando assim a curiosidade dos turistas.

Independente da opinião dos entrevistados (e de seus interesses) e da intenção de órgãos públicos e privados responsáveis pela realização do evento no Brasil, foi correto afirmar que apesar dos inúmeros problemas brasileiros, tanto históricos quanto gerados pela realização dos megaeventos, todos torcemos para que os mesmos fossem realizados sem episódios de violência (de nenhum tipo), que gerasse momentos de alegria e descontração e que deixasse um legado positivo a longo prazo, trazendo ao país mais investimentos e turistas.

1 Conceito criado pelo Urbanista e Sociólogo francês François Ascher, definido como “uma época onde a modernidade chega cada vez mais depressa, onde a sociedade se depara cada vez mais com situações inéditas e que se modificam rapidamente, além da geração de novos conhecimentos científicos e novas técnicas, rapidez e qualidade das informações, afastamento cada vez maior da natureza, possibilidades de ação e interação frente à distância espacial e temporal, dando a impressão de estar em vários lugares e momentos de uma vez só.”

2 Segundo informações do site do Fórum, Porto Alegre reuniu cerca de 50.000 pessoas de mais de 120 países diferentes nas edições que sediou.

A Arena Porto-alegrense e o Novo Modelo do Futebol Brasileiro

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Por Mariana Aita Dadda (1) e Paulo Roberto Rodrigues Soares (2)

Publicado no Boletim Copa em Discussão nº 19.

A designação do Brasil como sede da Copa do Mundo da FIFA de 2014 desencadeou uma onda de modernização do nosso futebol. Ou pelo menos dos estádios de futebol das cidades-sede, que estão sendo equipa- das com novíssimas e modernas arenas esportivas e multiuso.

O movimento vai além dos estádios da Copa (nove públicos e três privados) e atinge outros clubes que estão aproveitando a conjuntura favorável para mo- dernizarem seus estádios construindo novas “arenas”. Este é o caso do América Futebol Clube (que recentemente reinaugurou o Estádio Indepen- dência, em Belo Horizonte), da Sociedade Esportiva Palmeiras (que está construindo a “Arena Palestra”) e do Grêmio Football Portoalegrense, que no final de 2012 inaugurou sua nova Arena. Como primeira experiência de um grande clube brasileiro na ocupação de um estádio “padrão FIFA”, consideramos que os primeiros passos e tropeços da relação do Grêmio com seu novo estádio merecem ser relatados e dis- cutidos.

Nossa hipótese é de que o modelo de estádio e de negócio futebolístico implantado pela Arena do Grêmio é o modelo hegemônico nos grandes centros do futebol mundial (as ligas “5 estrelas” da Europa (3)) e que por ocasião da realização da Copa do Mundo no Brasil este tende a disputar posição com o velho modelo do futebol brasileiro. Algumas questões referentes à Arena do Grêmio serão discutidas a seguir.

O novo modelo de futebol

O novo modelo de futebol, implantado nos principais países europeus desde a década de 1990, traz no seu escopo a transformação do esporte em um espetáculo rentável, comando por gestões profissionais em todas as suas etapas e estreitamente vinculado a estratégias de marketing, ancorado por grandes corporações mundiais que participam do negócio como parceiras e/ou patrocinadoras. Este novo modelo é auspiciado pelas mais poderosas entidades do futebol mundial: a Federação Internacional do Futebol Associado (FIFA) e a União das Associações de Futebol

Europeias (UEFA). Os centros periféricos do futebol tentam em maior ou menor grau imitar tal modelo, porém sem atingir a rentabilidade e a visibilidade que o futebol europeu alcança em nível mundial.

Mas a modernização se impõe aos quatro cantos do planeta. E a Copa do Mundo, que em suas últimas e próximas edições desempenha um papel de “colonizadora” ao se localizar em países “emergentes” da economia mundial (4), apresenta-se como uma “via junker” para a implantação de um novo modelo de futebol nos principais mercados mundiais.

O novo modelo depende da racionalidade dos atores globais no grande negócio do futebol e se caracteriza como uma nova fronteira de acumulação capitalista e urbana. Capitalista, pois grandes corporações priva- das incluem-se no negócio patrocinando ligas, adqui- rindo “naming rights” de estádios e ligas, comprando “passes” dos melhores jogadores, utilizando estes mesmos jogadores como “garotos-propaganda”. De acumulação urbana porque os estádios e arenas cada vez mais estão vinculados a negócios imobiliários, assim como os principais clubes de futebol do mundo se apresentam como atrativos turísticos e de city marketing (5).

No caso da Copa do Mundo, as obras de infraestrutura requeridas nas cidades-sede (o “legado”) abrem novos vetores de valorização urbana, bem como sua gestão atrela as administrações públicas aos ditames da cidade-mercadoria, ou cidade-empresa.

O modelo europeu de futebol é o dos estádios (arenas) modernos, patrocinados por grandes corpo- rações e financiado pela venda de direitos de transmissão por quantias fabulosas. É o modelo do torcedor vinculado ao clube. É um futebol caro, mas também um futebol espetáculo ao reunir uma constela- ção global de melhores jogadores do mundo (europeus, sul-americanos, africanos e, recentemente, asiáticos) os quais reúnem em si mesmos as funções de atleta, garoto-propaganda e ativo financeiro (ou commoditie), já que as negociações de contrato envolvem altíssimas quantias de dinheiro e uma rede de “investidores” globais.

Exemplificamos com os cinco maiores clubes europeus em termos de orçamento. Todos ultrapassam os 250 milhões de Euros. As maiores transações financeiras entre estes clubes (compra e venda de jogadores) também atingem números fabulosos, ultrapas- sando os 50 milhões de Euros (6).

“A mundialização deveu-se ainda ao crescimento do negócio europeu do futebol, favorecido em especial pela alta da renda publicitária. Oligopólios transnacionais pagam cada vez mais para aparecer em transmissões planetárias” (Torres Freire, 2010).

No novo modelo do futebol uma “rede” de interesses se entrelaça: empresários, consultores, managers profissionais, departamentos de marketing, incluindo também políticos nas estreitas relações entre futebol e poder.

No Brasil o novo modelo atingirá inicialmente as torcidas do Grêmio Porto-alegrense, do Palmeiras, além do Clube Atlético Paranaense e do Sport Club Internacional. Estes últimos cedendo seus estádios para a Copa do Mundo de 2014. São estes clubes, além do Corinthians Paulista, que experimentarão o novo modelo de gerenciamento do esporte: estádios modernos, necessidade da arena gerar receitas próprias, ingressos mais caros e um novo padrão de “torcida” no interior do estádio.

Resta saber se os clubes acompanharão o padrão de gestão personalista, caudilhesca muitas vezes, em favor de uma nova gestão “profissional”. E ainda, se os dirigentes máximos de federações estaduais e da própria Confederação Brasileira de Futebol (CBF) serão novos personagens ou os velhos “cartolas” de nosso futebol.

Resta saber se o modelo será rentável em um país com um modo próprio de viver o futebol, onde há um grande monopólio das transmissões de partidas e onde o poder aquisitivo da grande maioria dos torcedores não apresenta condições de arcar com os “custos” da modernização.

O Grêmio e os problemas da Arena

Apesar da novíssima Arena Porto-alegrense, inaugu- rada em 8 de dezembro de 2012, não ser o Estádio escolhido pela FIFA para sediar os jogos oficiais da Copa de 2014 em Porto Alegre, é ela que está ocupando os espaços na mídia gaúcha ultimamente. A proporção alcançada pelas discussões entre o Grêmio FootBall Porto-alegrense e a construtora da Arena, a empreiteira OAS, transcende as quatro linhas do campo e deixou o futebol praticamente em segundo plano.

Após a inauguração da Arena, a euforia dos gremistas com a nova casa foi dando lugar a diversos sentimentos negativos. Até a eterna rivalidade com o Sport Club Internacional, cujo estádio está em reformas para sediar os jogos do Mundial de Futebol, foi deixada um pouco de lado. Atualmente, a rivalidade é entre a torcida do Grêmio e a direção do clube que, quatro anos após a assinatura do contrato com a OAS, está pedindo sua revisão, motivada por uma sé- rie de situações adversas, tanto para o time, quanto para sua torcida. A lista de reclamações envolve tanto cláusulas contratuais milionárias entre o clube e a construtora, quanto situações corriqueiras enfrenta- das pela torcida em dias de jogos.

Não podemos desconsiderar o fato de que o novo causa estranhamentos e dificuldades de adaptação. A implantação da Arena, substituindo o antigo estádio Olímpico, inaugurado em 1954, obviamente gerou impactos tanto no cotidiano dos frequentadores dos jogos (disciplina na hora de torcer, não fumar, não beber, não tirar a camiseta, não torcer em pé), quanto nos entornos do Olímpico e da Arena. Mas os problemas ultrapassam (e muito) os esperados em uma mudança radical.

O principal problema é financeiro. A renda do clube provém do seu quadro social e dos direitos de trans- missão vendidos para as redes de televisão. Para a- comodar os sócios que migraram do Olímpico para a Arena, a OAS “cedeu” o anel superior do Estádio por R$ 23 milhões/ano. Para cobrir este valor as men- salidades dos cerca de 25 mil associados foram re- ajustadas, projetando uma arrecadação anual de R$ 55 milhões/ano. Nem todos os sócios aceitaram mi- grar para o anel superior, ocupando também para as “Cadeiras Gold” e “Cadeiras Gramado”, o que gerou um adicional de R$ 18 milhões de reais/ano no mon- tante que o clube paga à OAS. Assim, o Grêmio precisa pagar anualmente a OAS, o equivalente a R$ 41 milhões. Para manter a folha de pagamento em dia, o clube já chegou a dever R$ 6,8 milhões de reais à construtora.

A situação tornou-se insustentável e uma revisão do contrato, para que o mesmo não fosse tão oneroso ao Grêmio, foi solicitada pela sua direção. A entrega definitiva do Estádio Olímpico para a OAS (processo chamado de “entrega das chaves”), prevista para 31 de março deste ano, ainda não se realizou. A primeira reunião entre as direções de Grêmio e OAS não gerou nenhuma modificação contratual. Mas este es- tá longe de ser o único problema do Grêmio. O des- contentamento da torcida abrange vários aspectos: acessibilidade ao novo estádio, segurança no entorno do mesmo, elevação das mensalidades, aumento no preço dos ingressos e dificuldade na aquisição dos mesmos nas bilheterias.

A Arena e o cotidiano dos bairros do entorno

Os bairros próximos à Arena–Humaitá e Vila Farrapos  situam-se na periferia de Porto Alegre. São bairros carentes de infraestrutura para receber tamanho impacto. Tanto os antigos moradores, quanto os novos frequentadores sentem a transferência da casa do Grêmio. E não apenas isto. Além da implantação do novo estádio, a OAS está construindo no local um complexo residencial e comercial com shopping center e centro de eventos (o “bairro” Liberdade).

Interferências no cotidiano dos bairros, presença de centenas de trabalhadores, vai-e-vem de máquinas são frequentes. Os moradores dividem-se entre os contrários à nova situação e aqueles que aproveitam a presença da Arena para novos negócios (venda de bebidas e lanches, estacionamentos informais). Em conversas com torcedores e moradores observamos uma série de reclamações de ambos os lados. Os moradores reclamam da perturbação de seu silêncio e tranquilidade em dias de jogos. Os torcedores pa- decem com as dificuldades de acesso e a (suposta) insegurança do entorno do estádio.

De volta à Arena

Outras situações que poderiam ter sido evitadas acompanharam a mudança de estádio: problemas com bilheterias, quedas de energia elétrica, gramado inacabado, orientadores mal preparados e quebra de parte da estrutura da arquibancada provocando um acidente que feriu cerca de vinte torcedores e interdi- tou parte do estádio.

O clube e a administradora vem empreendendo es- forços para minimizar os problemas. Nos últimos jo- gos houve aumento das linhas de ônibus que levam à Arena, o serviço de trem metropolitano (a estação mais próxima situa-se a 1,5 km do estádio) está funcionando até mais tarde em dias de partidas noturnas, novos guichês para compra de ingressos foram instalados e os instrutores (guias) para a localização da torcida no estádio estão melhor preparados.

Essas melhorias só vieram após três meses e muitas reclamações por parte de sócios e torcedores, além de críticas nos meios de comunicação. São problemas que devem ser resolvidos sob pena de que todo o novo modelo de estádio, de espetáculo e de negócio do futebol seja questionado. Restam diversas e im- portantes pendências como a adequação do estádio às normas urbanísticas da Prefeitura de Porto Alegre e a liberação de seu Alvará definitivo. Também são aguardadas obras de infraestrutura no entorno (pavimentação e iluminação) diminuindo a precarie- dade de circulação à noite.

As obras do Centro de Treinamento e sede administrativa do clube no novo estádio também não foram concluídas, mantendo o Grêmio dependente do Estádio Olímpico. Todas estas providencias que já deviam ter sido tomadas são fruto de atitudes precipitadas, onde fatores políticos internos do Clube falaram mais alto que o bom senso. A opção do clube de abrir mão de sua autonomia patrimonial e administrativa à cur- to prazo indiretamente afetou sua relação com sócios e torcedores, que se mostram desgostosos com as mudanças ocorridas até aqui.

Obviamente ninguém deixará de ser gremista por esses motivos. As promessas de “nunca entrar na Arena” que alguns torcedores fazem, provavelmente serão esquecidas. Mas espera-se que o tempo permita que o Grêmio aprenda a conviver com o novo modelo e que os problemas detectados sirvam de exemplo para outros clubes brasileiros nestes tempos de modernização do futebol.

1 Mestranda do Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pesquisadora no Pro- jeto Metropolização e Megaeventos: os impactos da Copa do Mundo/2014 e Olimpíadas/2016, do Observatório das Metrópoles.
2 Professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Pesquisador do Observatório das Metrópoles – Núcleo Porto Alegre e Coordenador local do Projeto “Metropolização e Megaeventos: os impactos da Copa do Mundo 2014 e das Olimpíadas 2016”.
3 Ligas da Inglaterra, Espanha, Itália, Alemanha e França.
4 Países-sede: África do Sul (2010), Brasil (2014), Rússia (2018) e Qatar (2022).
5 Nos últimos anos estádios e sedes dos clubes, com seus museus e lojas de material esportivo, estão incluídas nos roteiros turísticos das cidades européias. 

6 Os maiores orçamentos entre os clubes europeus: Real Madrid (479 milhões de Euros), F. C. Barcelona (450 milhões de Euros), Man- chester United (367 milhões de Euros), Bayern Munich (321 mlhões de Euros) e Arsenal (251 milhões de Euros). Fonte: Football Money League 2012.

Referências:
Deloitte Football Money League 2012. Disponível em .
Torres Freire, V. A economia do futebol chato. Folha de São Paulo, 20 de junho de 2010.