Mariana Aita Dadda defendeu sua dissertação de mestrado em 28/05/2014 com o título “A Terceira Modernidade Urbana e o setor terciário: como Porto Alegre (RS/ Brasil) está se preparando para receber a Copa do Mundo de 2014”. Leia abaixo a síntese da pesquisa.
Por Mariana Aita Dada – Observatório das Metrópoles-Núcleo Porto Alegre
A idéia da dissertação “A Terceira Modernidade Urbana e o setor terciário: como Porto Alegre (RS/ Brasil) está se preparando para receber a Copa do Mundo de 2014″ começou a ser construída enquanto fui bolsista do Observatório das Metrópoles, durante o ano de 2011. O interesse pela influência que o megaevento teria no setor terciário da cidade surgiu pela possibilidade deste ser o setor que possivelmente mais teria impactos positivos com a realização da Copa do Mundo. A dissertação foi apresentada em maio de 2014, um mês antes do começo da Copa do Mundo no Brasil. O trabalho buscou retratar, entre outros aspectos, se Porto Alegre reúne os equipamentos para ser considerada uma cidade inserida no conceito de Terceira Modernidade Urbana1, ou seja, preparada para sediar uma Copa do Mundo e junto com este, receber turistas de vários perfis. Entendendo que a evolução do setor terciário está estreitamente relacionada a evolução da vida urbana, a dissertação também objetivou verificar se o setor de serviços de Porto Alegre estaria também, preparado para receber um evento de grande magnitude
O primeiro grande item a ser ressaltado foi a euforia inicial após o anúncio, em 2009, de que Porto Alegre seria uma das sedes da Copa do Mundo de 2014. A partir de tal panorama, quanto mais o megaevento se tornava presente no cotidiano da cidade, algumas opiniões foram mudando e outras sendo geradas, sendo possível ter uma ideia geral das aspirações e interesses que cada setor/ campo da cidade manifestava frente a este momento. O setor de comércio, serviços e lazer, com toda gama de recursos que tem a seu favor atualmente, gerou muitas expectativas frente à oportunidade de ter por perto a realização de um evento de grande magnitude.
Para entender como o setor terciário chegou a este ponto de modernidade atualmente, é necessário se resgatar um pouco da história da evolução e modernização do setor terciário. Apesar de cada país ter tido singularidades na maneira de desenvolver seu setor terciário, é comum a todos que, a partir da década de 1970, a economia baseada na predominância do setor de serviços, despontou a nível mundial. Estas mudanças foram tão significativas na sociedade, que a partir desta década também, vários autores e estudiosos a ressaltaram como um novo período da dinâmica urbana, com significativas transformações da sociedade. A partir de então, o setor terciário expande sua complexidade e importância na economia mundial.
Como o setor terciário é diverso e abrangente, foi importante delimitar itens pertinentes ao tema do trabalho, pois nem todas as prestações de serviços se adequavam aos objetivos da pesquisa. Assim, escolheu-se 5 das 21 categorias da Classificação Nacional das Atividades Econômicas (CNAE – Secretaria da Receita Federal e IBGE), instrumento de padronização nacional dos códigos de atividade econômica e dos critérios de enquadramento utilizados pelos diversos órgãos de administração tributária do país. Definiu-se como as mais pertinentes para contemplar os objetivos, as seções G (Comércio), I (Alojamento e alimentação), N (Atividades administrativas e serviços complementares), Q (Saúde humana e serviços sociais) e seção R (Artes, cultura, esporte e recreação). Pode-se perceber que a prioridade de escolha foi relativa a prestações de serviços relacionados com ao megaevento (hotéis, restaurantes, venda de bebidas, etc.).
Em relação a Porto Alegre, área deste estudo, mesmo sendo uma cidade relativamente pequena em tamanho, sabe-se que as modificações do seu espaço urbano acontecem de forma constante, mas não de forma homogênea. Logo, Porto Alegre embora bem equipada em seu espaço urbano em geral, tem localidades que não se encaixam adequadamente no conceito de Terceira Modernidade Urbana que pretendeu-se abordar. A realização do megaevento esportivo também não traria influências para todas as partes da cidade. Por isso, tê-la inteiramente como objeto de estudo seria fugir do tema proposto.
Para focar este trabalho nas áreas da cidade que realmente seriam pertinentes para o que se queria demonstrar, se utilizou como base o mapa das Áreas Prioritárias de Planejamento Urbano em Porto Alegre, desenvolvido pela Secretaria Municipal de Gestão e Acompanhamento Estratégicos, mostrado na figura 1, abaixo:.
Figura 1: Áreas Prioritárias de Planejamento Urbano em Porto Alegre
Adaptado de: DIEESE (Corredores da Copa).
Porto Alegre, mesmo não estando entre as cidades mais conhecidas do Brasil internacionalmente, conquistou certa projeção ao realizar seis das doze edições do Fórum Social Mundial (2001, 2002, 2003, 2005, 2010 e 2012). O reconhecimento que a capital gaúcha ganhou com os Fóruns foi positiva, sendo considerada uma cidade bem estruturada e com moradores receptivos e politizados. Mas conforme a fala de alguns entrevistados pela dissertação, mesmo que o Fórum sempre seja referência aos turistas2 Porto Alegre ainda não estaria acostumada a receber turistas estrangeiros como outras partes do Brasil.
Mesmo que Porto Alegre não possa ser considerada uma cidade global, reúne várias características que a posicionam como bem inserida na Terceira Modernidade Urbana. Exemplos disto, são tero 3° aeroporto com maior quantidade de voos internacionais do país, só perdendo para Congonhas (em São Paulo) e Galeão (no Rio de Janeiro), sera2ª cidade que mais aumentou seu número de desembarques internacionais no país (perdendo apenas para o Rio de Janeiro) e ainda estar entre as 5 capitais brasileiras que mais recebem eventos internacionais no Brasil. Apesar disso, uma das principais reclamações, tanto dos entrevistados para o trabalho escolhidos por estarem envolvidos com o setor terciário da cidade, quanto de usuários dos serviços, é a pouca fluência em inglês dos prestadores de serviços e comerciantes de Porto Alegre. Isto prejudica a cidade enquanto sede de grandes eventos (foi uma das maiores reclamações dos participantes do World Masters Athletics, em outubro de 2013) e afasta a cidade de ser uma referência global.
A respeito da atenção especial que se deu neste trabalho a chamada Área Prioritária de Investimentos para a Copa, delimitada pela Secretaria Municipal de Gestão e Acompanhamento Estratégicos, observou-se que esta área da cidade não ganhou visibilidade apenas pela realização do megaevento: historicamente esta região recebe mais investimentos e atenção de órgãos públicos e privados do que outras. Como pode-se observar ao longo do trabalho, todos os requisitos que afirmam a capital gaúcha como uma cidade inserida na Terceira Modernidade Urbana, localizam-se no trecho delimitado (como diversidade de oferecimento de serviços, de hospedagem, de opções de lazer; localização de importantes empresas, localização de hospitais, órgãos públicos e disponibilidade de transporte).
Para chegar aos seus objetivos, a dissertação também realizou entrevistas com profissionais de todas as categorias escolhidas da tabela CNAE. Foram ao todo 42 entrevistados, das 5 categorias eleitas. Em relação aos entrevistados relacionados ao setor de hotelaria, 83,3% considerava seus estabelecimentos preparados para receber um megaevento como a Copa do Mundo. 58% esperava um aumento significativo no número normal de hóspedes desta época do ano. 66% dos estabelecimentos fizeram reformas pensando no megaevento, mas 66% dos entrevistados também, não julgavam Porto Alegre como preparada para sediar uma Copa do Mundo. 83% dos entrevistados também admite aumento de preços na época de realização do evento.
Em relação aos entrevistados dos ramos de lazer, gastronomia e entretenimento, 100%considerava que a Copa do Mundo/2014 seria importante para o setor de lazer e entretenimento de Porto Alegre. 100% também, esperava um aumento de clientes em seu estabelecimento no período. 62% considerava seu estabelecimento preparado para receber turistas estrangeiros. 54% revelou ter feito investimentos em seu estabelecimento motivados pela Copa do Mundo. 66% foi o número de entrevistados que acreditava que Porto Alegre estaria preparada para sediar um evento desta magnitude e que possivelmente aumentariam seus preços no período da realização da mesma.
Alguns pontos foram considerados motivos de preocupação tanto para os entrevistados, quanto para a mídia que acompanhou os preparativos para a realização da Copa do Mundo em Porto Alegre: as manifestações ocorridas durante o ano de 2013 (várias coincidiram com a realização da Copa das Confederações no país) e a promessa nas redes sociais de que as mesmas continuariam ocorrendo em 2014, chamaram atenção da população em geral e também da imprensa internacional. Temendo que houvesse atos de violência e depredações durante tais manifestações, patrocinadores, comerciantes e turistas viram a época da realização dos jogos como um período de tensão. Tais demonstrações populares refletiram que a sociedade está cada vez mais crítica e informada, consequência direta do acesso cada vez mais facilitado às tecnologias, principalmente televisão, internet, aparelhos de telefonia móvel e instrumentos de captação de imagem e som. Estas, além de possibilitar uma quantidade infinita de informação, tem enorme capacidade de mobilização.
Outro ponto ressaltado pelos entrevistados foi a quantidade de obras estruturais que estavam sendo executadas na cidade e que não ficaram prontas até a realização da Copa do Mundo. Além dos transtornos no trânsito, alguns entrevistados acharam que um número grande de obras inacabadas poderiam causar má impressão. Já outros entrevistados acharam que tais obras iriam melhorar a mobilidade na cidade à longo prazo e isto seria mais relevante do que o fato de elas estarem ou não prontas até o megaevento. Os entrevistados também ressaltaram a alta nos preços de serviços prestados que alguns proprietários de estabelecimentos pretendiam praticar: alguns acharam ser uma atitude correta, afinal o mercado é livre e o cliente não é obrigado a pagar, podendo procurar outras opções. Outros consideram a prática abusiva e que pode denegrir a cidade, criando uma imagem de “oportunista”.
Como análise da expectativa quanto ser sede de um evento esportivo de tamanha magnitude, a maioria dos entrevistados acreditava ser uma grande vitrine. Por ter apenas jogos do início da competição e com seleções sem muita expressividade atualmente, acha-se que, a maioria dos turistas que viriam seriam nacionais e de países próximos, como Argentina e Uruguai.
Baseado nos dizeres da maior parte dos entrevistados, independente da categoria CNAE e até fora dela, os mesmos acharam que a realização da Copa do Mundo em Porto Alegre não geraria grandes lucros no período da realização do evento, embora a maioria pretendesse aumentar o valor de seus serviços: por mais que houvesse uma movimentação fora do comum na cidade, não seria tão significativa a ponto de gerar ganhos recordes. A maioria dos entrevistados achava que o megaevento geraria receitas à longo prazo, pois nenhuma campanha de Secretarias ou Ministério do Turismo seria tão eficiente quanto a exposição em documentários, matérias jornalísticas e até mesmo reportagens pré-jogo, despertando assim a curiosidade dos turistas.
Independente da opinião dos entrevistados (e de seus interesses) e da intenção de órgãos públicos e privados responsáveis pela realização do evento no Brasil, foi correto afirmar que apesar dos inúmeros problemas brasileiros, tanto históricos quanto gerados pela realização dos megaeventos, todos torcemos para que os mesmos fossem realizados sem episódios de violência (de nenhum tipo), que gerasse momentos de alegria e descontração e que deixasse um legado positivo a longo prazo, trazendo ao país mais investimentos e turistas.
1 Conceito criado pelo Urbanista e Sociólogo francês François Ascher, definido como “uma época onde a modernidade chega cada vez mais depressa, onde a sociedade se depara cada vez mais com situações inéditas e que se modificam rapidamente, além da geração de novos conhecimentos científicos e novas técnicas, rapidez e qualidade das informações, afastamento cada vez maior da natureza, possibilidades de ação e interação frente à distância espacial e temporal, dando a impressão de estar em vários lugares e momentos de uma vez só.”
2 Segundo informações do site do Fórum, Porto Alegre reuniu cerca de 50.000 pessoas de mais de 120 países diferentes nas edições que sediou.